12/04/2019 |
Cuidado ao declarar recursos no exterior no imposto de renda Adriane Castilho Os acordos internacionais para troca de informações financeiras firmados pelo Brasil nos últimos anos estabeleceram um ambiente de maior cautela para quem tem recursos no exterior. Com cruzamentos de dados mais frequentes e automáticos, a tendência é de maior rigor fiscal, o que exige atenção do contribuinte na declaração de imposto de renda. “O contexto ficou mais transparente”, diz o sócio do Grupo Tributário e Wealth Management do escritório Trench Rossi Watanabe, Marcos Neder. “O contribuinte às vezes não tinha o cuidado de relatar contas bancárias no exterior. Hoje é provável que isso seja detectado”, afirma o especialista, que já foi subsecretário de Fiscalização da Receita Federal. Neder conta que havia muita dificuldade para troca de informações financeiras e tributárias entre países até 2001, quando começou um movimento capitaneado pelos Estados Unidos. Surgiu o Fatca, sigla em inglês para o ato do governo americano que trata da conformidade tributária de contas no exterior. A essa norma, que requer informações de instituições financeiras estrangeiras e exige que os americanos declarem ao fisco dos EUA contas e ativos mantidos por eles no exterior, juntaram-se mais tarde os Common Reporting Standards (CRS), acordos coordenados pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e firmados por mais de 100 países, entre eles o Brasil. É um movimento que vem se intensificando nos últimos anos. Antes as trocas eram feitas caso a caso, quando um tribunal fazia uma solicitação, por exemplo. Agora, o fisco recebe informações financeiras automaticamente. “É um volume de dados muito grande. Provavelmente a Receita vai ter um parâmetro de seleção para quem olhar, mas já tem a informação. É a era do ‘big brother’”, diz Neder. Ao mesmo tempo, os próprios bancos começaram a estabelecer processos de compliance e não admitem mais o risco de não dispor das informações completas do cliente. “Isso já é uma realidade”, diz Flávia Gerola, advogada sênior de Wealth Management do Trench Rossi Watanabe. Ela conta que clientes do escritório já receberam notificações do governo americano, por meio das próprias instituições financeiras, para esclarecer os ativos que têm no Brasil. O objetivo desse conjunto de ações internacionais é evitar a falta de tributação ou um planejamento tributário agressivo e não justo, diz o sócio de Impostos da EY, Antonio Gil. O alcance dos atos, pensados inicialmente para grandes corporações, se estende também a pessoas físicas. Repatriação No Brasil, o ápice desse movimento coincidiu com as duas rodadas de regularização de capitais mantidos por brasileiros no exterior, realizadas em 2016 e 2017. É essa conjunção que inspira mais cuidados, diz Gil. Nos dois processos de anistia, o contribuinte que tinha recursos obtidos de forma lícita, mas não declarados, pôde regularizar sua situação. É o caso, por exemplo, de recursos de caixa dois ou de quem trabalhava em uma multinacional e não informava um bônus pago no exterior. A primeira fase teve maior adesão; a segunda, com taxação mais pesada, atraiu menor volume de recursos. Quem aderiu ficou com algumas obrigações, como informar o Banco Central e, na declaração de IR, indicar o código da regularização. “Nessa toada, espera-se que a Receita faça um controle de quem passou a declarar capitais no exterior. Hoje, acredito que exista um risco maior de ser fiscalizado”, diz Gil. Exposição O sócio de Impostos da EY lembra ainda que, além de contribuintes naturalmente mais expostos nesse cenário, como sócios de empresas offshore, outros perfis devem estar atentos ao novo contexto. “Isso pega muita gente que não está fazendo nada de errado”, diz. É o caso, por exemplo, de quem saiu do Brasil em razão da crise econômica e foi buscar trabalho no exterior. “Se a pessoa deixou o país e algum familiar continua entregando a declaração, pode ter um problema de inconsistência. Se não é mais residente, precisaria ter feito a declaração de saída”, alerta. “Esse contribuinte pega um ambiente superdelicado porque é esperado que a Receita ajude o Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras] a ver quem tem patrimônio no exterior de forma mais cautelosa. Existe um conjunto de acontecimentos que nos faz crer que esse tipo de acompanhamento vai ser mais comum”, avalia Gil. Para Neder, a regularização foi um grande avanço, por proporcionar transparência dos ativos de brasileiros no exterior. “A maioria está regularizada. O cuidado agora é fazer a declaração corretamente”, diz. O sócio do Trench Rossi Watanabe cita ainda outra medida recente que aproxima o Brasil dos padrões mundiais recomendados pela OCDE para controle de capitais. Se uma offshore se apresenta para fazer um investimento no Brasil, a Receita agora procura examinar quem é o beneficiário final da operação. O próprio banco envolvido na ação solicita a informação, para verificar se o investidor por trás da empresa é residente no país e, como tal, sujeito a tributação local. Doações no exterior Outra mudança recente diz respeito a doações efetuadas no exterior. Flávia, do Trench Rossi Watanabe, diz que a alteração nesse ponto do regulamento de imposto de renda de pessoa física foi realizada no fim de 2018. As doações e os bens e direitos transmitidos como herança são isentos de imposto de renda no Brasil. Incide apenas o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD), cobrado pelos Estados. No fim de 2018, porém, foi retirada a isenção de IR que era dada aos não residentes no país. A partir de então, se um contribuinte fizer uma doação para um filho ou outro parente que more nos EUA, por exemplo, haverá retenção de 15% de imposto de renda, diz Flávia. Se estiver em um país considerado paraíso fiscal, a alíquota sobe para 25%. O próprio banco que fizer a remessa vai reter o IR sobre a operação. Isso muda a estrutura de planejamento tributário, diz a advogada. “Vai pegar muita gente de calça curta, porque é comum famílias fazerem esse tipo de doação. E 15% é um valor expressivo”, acrescenta Neder. Na visão de ambos, a mudança é uma questão de interpretação, ainda passível de ser questionada junto às autoridades fiscais, mas a fiscalização da Receita já está orientada para atuar com base no novo entendimento. |