Cuidado com o imposto das empresas Valor Econômico
Por Edison Carlos Fernandes Em meio à efervescência por mudanças na tributação, projeto da Receita Federal (ainda em discussões internas) para alterar o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) ameaça os contribuintes corporativos (empresas). Com a adoção dos padrões internacionais de contabilidade (IFRS) pelo direito contábil brasileiro, a partir de 2008, foi necessário adaptar a tributação sobre o lucro das empresas, o que ocorreu em 2015. Durante o período de transição, aventou-se desvincular a tributação das empresas das normas contábeis, o que implicaria a necessidade de elaboração de "duas contabilidades", uma para fins fiscais ou para fins econômicos. A opção final foi pela manutenção de uma única escrituração contábil, procedendo-se a ajustes na apuração do imposto (Lalur). Passados menos de cinco anos da vigência da lei atual, a Receita Federal pretende alterar a estrutura da tributação, desvinculando o imposto sobre o lucro das demonstrações contábeis. São dois os principais argumentos: a contabilidade e a tributação têm interesses e finalidades distintas e, por conta dessa diferença, o controle fiscal do imposto sobre o lucro tem sido bastante complexo. Um e outro argumentos são enganosos e essa proposta coloca em risco a apuração do imposto sobre o lucro das empresas. Projeto da Receita propõe abandonar a contabilidade como base para a apuração do imposto sobre o lucro das empresas De acordo com a Constituição Federal, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (artigo 145, § 1°). Poucas são as matérias de consenso entre os estudiosos do direito tributário no Brasil, porém, uma delas reside no fato de que o imposto sobre a renda (ou o lucro, no caso das empresas) é o maior exemplo da "possibilidade" de se aplicar o caráter pessoal do contribuinte e respeitar sua capacidade econômica (ou contributiva). A pessoalidade e a capacidade econômica se manifestam, dentre outros fatores, pela percepção da riqueza pelo contribuinte. Isso quer dizer que o "conforto da tributação" (justiça fiscal?), na medida do possível, é alcançado quando o contribuinte percebe a riqueza que produziu e, portanto, deve destinar parte dela aos Cofres Públicos para o benefício de toda a coletividade. No caso do contribuinte corporativo (empresa), a riqueza é percebida nas demonstrações contábeis. A contabilidade determina o montante do retorno sobre o capital investido pelo empreendedor, vale dizer, o lucro apurado e distribuído como dividendo. Também na contabilidade está refletido o valor da empresa, que serve como parâmetro para negociação (fusões e aquisições) ou para a tomada de empréstimo, financiamento ou captação de aportes de investidores. Não há como negar, portanto, que seus sócios, seus investidores e demais "stakeholders" percebem a riqueza gerada pela empresa através das demonstrações contábeis. Sendo assim, por que o Fisco deve ignorar a contabilidade das empresas para determinar o montante do imposto incidente sobre a sua riqueza (lucro)? O mencionado projeto da Receita Federal propõe abandonar a contabilidade como base para a apuração do imposto sobre o lucro das empresas e criar um "sistema de informações econômico-financeiras" próprio com finalidade tributária. Conclui-se que, a par do sistema internacionalmente padronizado de informações sobre a situação patrimonial das empresa e especialmente do seu desempenho (resultado), a legislação tributária passaria a arbitrar o lucro das pessoas jurídicas única e exclusivamente para efeitos de incidência de imposto. Os efeitos do afastamento da escrituração contábil são evidentes e perversos: os sócios terão uma base de lucro a ser distribuído como dividendos, mas recolherão imposto sobre o lucro em base diferente; os investidores avaliarão a empresa com base em um padrão de informações, porém, o imposto sobre o lucro da empresa adotará uma base diferente; os credores concederão empréstimos e financiamentos depois de avaliar uma base de informações, todavia, o Fisco exigirá o imposto calculado com base diferente. Enfim, a apuração do imposto não levará em consideração a percepção de riqueza da empresa e, sim, a determinação arbitrária da legislação que estabelecerá qual é a riqueza (lucro) para efeitos de tributação. É verdade que atualmente o lucro contábil (comercial) e o lucro fiscal já são diferentes, no entanto, a apuração do lucro fiscal toma por base o lucro contábil, procedendo a alguns ajustes. Em primeiro lugar, há segurança jurídica pela existência de uma única contabilidade. Em segundo lugar, os profissionais das áreas contábil e tributária têm experiência nessa forma de apuração do imposto sobre o lucro desde 1978. Em terceiro lugar, os referidos ajustes são razoavelmente justificados: decorrem do respeito a práticas de governança corporativa (estorno de despesas que não estejam intrinsecamente relacionadas à atividade empresarial), da concessão de benefícios fiscais (estorno de receitas que são isentas pela própria legislação, por exemplo) e da observância do princípio da realização (despesas são deduzidas e receitas são tributadas apenas no momento em que se tornam líquidas e certas). Se a conciliação entre as normas juscontábeis e as normas tributárias geram muitos ajustes é porque a busca da justiça fiscal se trata de uma tarefa complexa. A simplicidade da tributação não pode ser implementada em detrimento da pessoalidade e da capacidade contributiva, que são princípios constitucionais do sistema tributário brasileiro. Portanto, precisamos cuidar para que o imposto sobre o lucro das empresas não se afaste de maneira arbitrária da percepção de riqueza dos envolvidos. Edison Carlos Fernandes é doutor em direito pela PUC-SP, professor da FGV Direito SP e do CEU Law School
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