Tributação de lucros e dividendos O Estado de S. Paulo
BERNARD APPY
Recentemente o presidente Jair Bolsonaro anunciou, por uma rede social, a intenção do governo de reduzir a alíquota do Imposto de Renda incidente nas empresas e compensar a perda de arrecadação por meio da reintrodução da tributação na distribuição de dividendos (que vigorava até 1995). Em princípio, a proposta é positiva, mas seus impactos – positivos e negativos – dependem muito da forma como vier a ser implementada. Atualmente, o lucro auferido pelas empresas brasileiras é tributado à alíquota de 34%. Já os dividendos distribuídos para os acionistas não estão sujeitos à incidência de Imposto de Renda. O modelo brasileiro é complementado pelo regime de Juros sobre o Capital Próprio (JCP), pelo qual o montante correspondente à aplicação de uma taxa básica de juros de longo prazo sobre o capital da empresa pode ser deduzido como despesa, sendo tributado na fonte à alíquota de 15% quando de sua distribuição. Este sistema tem aspectos positivos e negativos. Entre os aspectos positivos destacam-se sua simplicidade, a inexistência de tributação em cascata e o regime de JCP, que reduz a diferença entre a tributação dos rendimentos do capital próprio dos acionistas e do capital de terceiros (dívida), o que desestimula a alavancagem excessiva das empresas. Em contrapartida, o modelo brasileiro também tem aspectos negativos relevantes. Por um lado, a alíquota de 34% cobrada das empresas tornou-se elevada para os padrões mundiais, num contexto em que vários países vêm reduzindo o Imposto de Renda cobrado das empresas como forma de atração de investimentos (em 2018, por exemplo, os EUA reduziram a alíquota federal do Imposto de Renda corporativo de 35% para 21%). Ao contrário do Brasil, no entanto, a maioria dos países tributa a distribuição de dividendos. Por outro lado, o modelo atual também gera distorções distributivas. Em princípio, se o lucro for tributado a 34% na empresa e não for tributado na pessoa física (à alíquota de 27,5%), não parece haver problema. No entanto, quando as empresas conseguem reduzir de forma significativa o imposto recolhido sobre seus lucros (e a legislação brasileira abre muitas possibilidades de redução), a isenção na distribuição resulta numa baixa tributação dos valores recebidos pelos sócios e acionistas. Este problema é especialmente relevante no caso dos regimes simplificados de tributação, como o lucro presumido. A título de exemplo, um profissional liberal que receba por meio de uma empresa do lucro presumido será tributado sobre apenas 32% da receita, podendo distribuir todo o lucro (que pode superar 80% da receita) sem tributação na pessoa física. Estas considerações ajudam a entender quais seriam as características desejáveis de uma mudança que reduzisse a tributação do lucro nas empresas e reintroduzisse a tributação na distribuição dos dividendos. Por um lado, seria importante manter características positivas do sistema atual, como a não incidência em cascata (no caso de empresas controladas por holdings) e o regime de JCP. Por outro lado, para corrigir as distorções distributivas do sistema atual, seria essencial que a tributação na distribuição dos lucros alcançasse também os regimes simplificados de tributação. A mudança provavelmente teria um impacto positivo sobre o investimento, mas esse impacto tende a ser moderado, até porque – se a carga tributária for mantida – haverá algumas empresas que serão prejudicadas pela mudança (especialmente aquelas que hoje conseguem reduzir muito os tributos pagos sobre o lucro). Se o objetivo é aumentar a eficiência e o investimento, há outras mudanças no sistema tributário – como a reforma da tributação dos bens e serviços – cujo impacto sobre o crescimento é muito maior. Por fim, vale lembrar que a agenda de mudanças na tributação da renda é mais ampla, incluindo, entre outros, a revisão do modelo de tributação de subsidiárias de empresas brasileiras no exterior.
BERNARD APPY É DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL
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