Tributação de negócios digitais

11/02/2019

Tributação de negócios digitais
Valor Econômico

Douglas Mota e Thiago Abiatar L. Amaral

É inegável que os avanços tecnológicos inerentes à nova economia digital impõem desafios em matéria de regulação, controle e fiscalização, obrigando o legislador, operadores do direito e, principalmente, os empreendedores, a se desdobrarem na busca por um ambiente sólido e seguro de desenvolvimento de negócios. Contudo, a realidade, especialmente em se tratando da seara tributária, tem mostrado que, ao menos diante do cenário atual, é impossível se falar em um ambiente de negócios sólido e dotado de segurança jurídica.

Nos debates a respeito da tributação de negócios digitais, cujos eventos ocorrem quase que semanalmente, nota-se que, em grande parte, as controvérsias a respeito da tributação de negócios digitais, concentram-se na área da tributação sobre o consumo.

São conhecidos os conflitos de competência entre Estados e municípios em se tratando da tributação pelo ICMS e/ou ISS, respectivamente. Esse conflito ganhou novos contornos em função das recentes alterações legislativas em âmbito estadual, visando alcançar a tributação das operações com softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos, entre outros.

Entretanto, a questão pode se mostrar mais complexa que esta discussão de competência, cuja potencial solução poderia envolver a esperada reforma tributária. Na realidade, o ponto central é que as inovações tecnológicas trazem com elas dificuldades quanto a definição da natureza jurídica destas atividades, e, por consequente, para efeitos de tributação.

Dentro deste contexto, se tem detectado dificuldade de se estabelecer diferenciação entre a funcionalidade do aplicativo e a forma como este é disponibilizado (usualmente mediante licença do software que oferece determinada facilidade). Sendo que o modelo de remuneração ou precificação acaba por complicar ainda mais tal definição.

São grandes as consequências em se considerar que a natureza da atividade exercida nesses casos envolve o simples licenciamento do software em que se baseia o aplicativo e sua facilidade ou se, a natureza da atividade se confunde com a facilidade ofertada, por exemplo, intermediar serviços de transporte, fornecimento de hospedagem, refeições, monitorar bens e pessoas ou mesmo coletar dados e fornecer relatórios.

A precificação ou modelo de cobrança em que se baseiam tais atividades, acaba por ser mais um elemento a contribuir para tal discussão. Isto porque ao realizar a cobrança usando taxas mensais, percentuais fixados sobre o valor transacionado pelas partes usuárias (como ocorre normalmente no caso dos aplicativos de hospedagem), se passa a impressão de que a atividade não é de licenciamento, mas sim outra, como a intermediação. Mas estaria correta tal conclusão?

Tomando como base o exemplo dos aplicativos de hospedagem, seria a relação jurídica de mera licença do software em que se baseia o aplicativo ou verdadeiro serviço de intermediação entre locador e locatário, cuja remuneração decorre da aproximação das partes via aplicativo, mediante cobrança de comissão.

Voltar-se à facilidade ofertada pelo software desenvolvido dentro das características analisadas, nos parece resultará em tornar inócua a tentativa de se tributar, seja por ISS, seja pelo ICMS, o licenciamento de software. E assim pensamos, porque, invariavelmente, todo software oferece uma facilidade, de modo que se a definição da natureza jurídica da atividade exercida por meio dessa tecnologia levar em conta apenas a facilidade ofertada, quase como regra, não haveria atividade de licenciamento a se tributar.

Por outro lado, não se pode simplesmente tomar como premissa que toda e qualquer atividade precipuamente baseada em um software tenha a natureza jurídica de um mero licenciamento, principalmente se a ferramenta for um mero meio de consecução de determinada atividade-fim.

Logo, o que se vê é que mesmo se afastando dos conflitos de competência inerentes à tributação da economia digital, dúvidas se colocam até mesmo no momento em que se pretende enquadrar determinado negócio jurídico para efeitos de tributação sobre consumo.

A nosso ver, imprescindível definir se a contratação se refere ao simples acesso à ferramenta, ou se esta é mero meio para o atingimento de outro fim que efetivamente foi o que levou à contratação. Nesse cenário, é de extrema importância a redação de contratos, termos de uso e demais documentos inerentes à atividade desenvolvida, como vistas a facilitar o entendimento de sua natureza, especialmente por parte das autoridades fiscais.

Douglas Mota e Thiago Abiatar L. Amaral são, respectivamente, sócio da área tributária do Demarest Advogados, mestre em direito tributário pela PUC/SP e advogado da área tributária do Demarest Advogados, mestre em direito pela Northwestern Pritzker School of Law, Chicago, EUA

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