Redirecionamento da cobrança fiscal

26/11/2018

Redirecionamento da cobrança fiscal
Valor Econômico

Breno Lobato Cardoso

Passados mais de dois anos de vigência do novo Código de Processo Civil (CPC) ainda persiste na jurisprudência muita controvérsia sobre a aplicação, ou não, do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) nas execuções fiscais.

Vem se criando uma jurisprudência nos Tribunais Regionais Federais no sentido de que o instituto não é aplicável à execução fiscal, sob o argumento de que a responsabilidade em questão seria pessoal, o que permitiria a propositura da execução fiscal diretamente contra o responsável, conforme autoriza o art. 4º, V da Lei nº 6.830/1980.

Ocorre que esse argumento não se sustenta. Embora seja verdade que a execução possa ser proposta contra o responsável, isso implica, de forma necessária, que o nome dele conste na certidão de dívida ativa, o que significa dizer que a sua responsabilidade já foi objeto de contraditório e decisão na esfera administrativa.

Sem que o terceiro conste como responsável no título de crédito não é possível que a execução seja contra ele proposta, o que não impede que, mediante incidente no processo de execução, identifique-se e apure essa responsabilidade, dando ensejo ao "redirecionamento" da execução fiscal cujo ônus da prova, nesse caso, é do Fisco, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em diversas oportunidades (por exemplo: AgRg no AgRg no REsp 1153333/SC).

É valiosa a lição de Leandro Paulsen ao argumentar que "não constando do título o nome do responsável tributário, não pode ser simplesmente citado para pagamento".

Portanto, constatado durante o curso da execução fiscal causa de responsabilidade de terceiro pelo crédito tributário é possível o "redirecionamento" da execução fiscal contra ele, procedimento que não foi objeto de regulamentação na Lei de Execuções Fiscais.

Antes do novo CPC, o responsável era incluído no processo e passava a ser réu, sendo muitas vezes surpreendido até mesmo com o arresto on-line de suas contas bancárias, restando a ele o exercício do direito de defesa a posteriori mediante propositura de embargos à execução, que como se sabe exige para o seu processamento a garantia do juízo. Em que pese ser possível, em tese, oferecer exceção de pré-executividade, esse tipo de defesa tem sido sistematicamente rejeitada sob o argumento de que é necessária dilação probatória para dirimir a questão.

Então, o contribuinte era obrigado a dispor de seu patrimônio e garantir o juízo para, somente assim, ter analisado seus argumentos sobre a possível inexistência de responsabilidade tributária. Isso ocorria com frequência também na execução trabalhista, alvo de muita reclamação por parte do cidadão.

O novo CPC veio prestigiar o princípio da não surpresa (artigo 9º) e evitar que o cidadão seja responsabilidade antes de ter seus argumentos analisados em contraditório, inclusive com produção de provas, através do incidente de desconsideração da personalidade jurídica regulado no art. 133 e s/s.

A partir de então o cidadão passou a exercer o seu direito de defesa de forma prévia e sem a necessidade de dispor do seu patrimônio, pois a defesa no IDPJ não pressupõe a garantia do juízo.

Com a entrada em vigor do novo CPC e diante de muita discussão no âmbito da Justiça do Trabalho, o TST, visando uniformizar a jurisprudência, baixou a Instrução Normativa nº 39 deixando claro que o procedimento deveria ser seguido na execução trabalhista.

Já no âmbito da execução fiscal, constata-se uma intolerável omissão do STJ, que passados mais de 2 (dois) anos da entrada em vigor do NCPC, ainda não se debruçou sobre o assunto, o que tem como consequência a multiplicação de processos sobre o tema, pois há forte expectativa que a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais seja revista no STJ, o que tem incentivando a litigiosidade, a multiplicação de recursos e a insegurança jurídica.

Penso que diante da omissão da lei de execuções fiscais, é forçoso que se aplique o IDPJ de forma subsidiária (art. 15, CPC) no "redirecionamento" verificado de forma incidente na execução fiscal, o que permitirá que o cidadão não seja pego de surpresa devedor de crédito tributário, muitas vezes de valor elevado e com arresto de bens, sem que tenha - de forma prévia - exercido seu direito ao contraditório. Faz coro a esse entendimento, dentre outros, o processualista Leonardo Carneiro da Cunha.

De qualquer forma, o mais importante é que o tema entre na pauta do STJ e se decida a questão conferindo-lhe maior segurança jurídica, pois já deu tempo para a discussão chegar àquela Corte, que tem como missão institucional uniformizar a jurisprudência dos tribunais e a interpretação da lei federal, o que se espera seja feito em breve.

Breno Lobato Cardoso é advogado, mestre (UFPA) e MBA em direito tributário (FGV), procurador da Junta Comercial do Estado do Pará, diretor da Associação dos Advogados Tributaristas do Pará (AATP) e sócio de Leite Cardoso & Melo Advogados.

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